Sobre sombras e angústia

Li uma vez sobre a dificuldade em definir a sombra. O que é a sombra afinal? Simples ausência de luz com formato específico? Mas não é sensivelmente fresquinha a de uma árvore sob o sol? Do que é feita, então? Enfim… tem uma porção de coisas dessas que a gente não sabe bem o que é, mas sente claramente os seus efeitos. A angústia também é um pouco assim. Todo mundo sabe do que se trata, mesmo sem saber do que é feita, como se forma, ou em que se transforma.

A angústia é essa sensação de opressão no peito de nó na garganta de sobrepeso no coração de fôlego curto de acúmulo incessante de algo ruim de aumento da tensão de explosão iminente… Seja como for, ela se faz sentir como algo extremamente desagradável. Freud chegou a acreditar que a angustia fosse a própria libido que não encontrou uma forma de descarga. A excitação acumulada buscaria uma via de saída transformando-se em angústia. Ela seria uma espécie de vinho que virou vinagre segundo sua própria metáfora.

Ao longo de seu trabalho, contudo, Freud abandona suas primeiras suspeitas sobre a angústia e acaba formulando uma teoria mais complexa que, simplificando muitíssimo, dirá que a angústia é um sinal que o Eu emite diante de uma situação de perigo, o perigo da perda do objeto.

É como se a angústia nos afetasse quando percebemos que alguma situação nos coloca quase quase indefesos. Um castelo cujas muralhas o inimigo começa a escalar, o detalhe é que o inimigo não vem necessariamente de fora e o castelo foi erguido para proteger não sabemos exatamente o quê.

Talvez a angústia seja então uma espécie de “medo que aconteça não sei o que, por motivo que não sei qual”. O que se teme exatamente quando fazemos uma prova para a qual sabemos que estamos preparados, ou que não estamos preparados? Quando temos uma conta para pagar e temos dinheiro para fazê-lo, ou não temos dinheiro? Quando vamos a uma entrevista para a qual nos sentimos qualificados, ou não nos sentimos qualificados? Quando temos uma discussão de relacionamento querendo estar junto do outro, ou separado do outro?

Penso que, mesmo nesses casos, os nossos maiores temores não são propriamente a nota baixa, a restrição de crédito, a duração do desemprego ou o status de relacionamento. Não que isso tudo não nos traga consequências objetivas que podem dificultar nossas vidas. Mas esses são medos conhecidos de nós mesmos, para os quais temos alguns truques e algumas estratégias de sobrevivência. São medos que inspiram cuidado e proteção, mas que sabemos nomear. Não é deles que vem a angústia.

Nos lugares mais escuros de nossas mentes, entretanto, moram outros medos mais indiscerníveis, inomináveis e aterradores, coisas como: não sermos amados, não sermos capazes, não nos reconhecermos, não sermos… coisas que realmente provocam angústia, esse afeto que talvez seja feito das nossas próprias sombras.

Newton Molon – Psicanalista

Consultório: Praça Oswaldo Cruz, 124 CJ 21 – São Paulo – Fone: 8229 2937

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